Sertão do Valongo, em Porto Belo, guarda a história dos quilombolas da região.
10/08/2016 - História dos quilombolas da região
Victor Pereiravictor.pereira@osoldiario.com.br
Diante do agito das praias e das festas eletrônicas que já são marca registrada do Litoral catarinense, alguns recantos dos municípios passam despercebidos aos olhos dos turistas e dos próprios moradores.
O Sertão do Valongo, no último ponto do interior de Porto Belo, quase em Tijucas, é um destes roteiros pra lá de alternativos na região. Distante mais de seis quilômetros da pista Sul da BR-101, onde em muitos trechos sequer há sinal de telefonia móvel, a localidade é uma opção de visita para quem pretende fugir um pouco de mar e areia.
Sem apresentar paisagens exuberantes ou grandes belezas arquitetônicas aos visitantes, o sertão tem em sua história e sua cultura os grandes atrativos. Para se chegar à comunidade a estrada é toda de chão, e em algumas partes o carro encontra dificuldades para vencer as oscilações na pista.
Lugar de refúgio de escravos depois da abolição, em 1888, o Valongo ainda conta com fortes traços das famílias negras que povoaram a área. Logo no começo do trajeto uma estufa utilizada pelos escravos para secar fumo, hoje parcialmente destruída, indica as origens dos habitantes.
Ao longo do caminho, pequenas casas, a maioria de madeira, se espalham aleatoriamente pelos terrenos cobertos pelo verde e pelo colorido de algumas flores. Em quase todas as propriedades há uma plantação e algum tipo de engenho. Às margens da estrada o gado pasta solto – e não se assuste se encontrar algum bezerro caminhando calmamente também pela rua.
Enquanto os donos das casas trabalham nas lavouras ou cuidam dos animais, as portas e janelas das residências continuam abertas, revelando um pacato e tranquilo território escondido em Porto Belo.
Ar bucólico
É comum ainda ver os moradores debruçados nas janelas, conversando ou simplesmente contemplando a passagem do tempo. Longe de qualquer tecnologia que o século 21 está acostumado a ver, a televisão é uma realidade distante em quase todas as moradias, com no máximo um rádio quebrando o silêncio do mato.
O ar bucólico é impossível de não ser registrado. O passeio pela região é indicado para quem gosta do contato com a natureza e aprecia o silêncio do campo – além de não se importar em percorrer o longo, empoeirado e acidentado caminho até o final do percurso.
Tirando o ronco dos poucos automóveis que trafegam por ali, não é raro o único som audível ser o do canto dos pássaros ou o do vento balançando as árvores. O Valongo não tem estruturas turísticas ou de apoio ao visitante; é na verdade um roteiro que merece ser feito simplesmente pelo que é: um retiro rural e histórico em plena capital catarinense dos transatlânticos.
Comunidade tem descendência quilombola reconhecida
A maioria da população do Sertão de Valongo é de descendência negra, com 37 famílias e 120 pessoas formando comunidades tradicionais rurais. A área foi reconhecida como comunidade remanescente de africanos escravizados em dezembro de 2004, pela Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura.
A origem do nome é atribuída ao fato de Sertão significar lugar distante e Valongo decorrer da junção das palavras vale longo, característica do relevo da região. Depois de um passado católico, influenciado pela catequização europeia de séculos atrás, a maior parte da comunidade hoje é adventista do sétimo dia.
A nova religião mudou profundamente os hábitos e costumes da população. Os habitantes do Sertão deixaram de comparecer às festas populares, por exemplo. O sábado passou a ser guardado como dia religioso, de descanso semanal, e o futebol transformou-se praticamente na única forma de lazer de homens e meninos.
Além de trabalharem na agricultura, muitos dos homens trabalham como operários em Porto Belo. As mulheres permanecem em casa, cuidando dos trabalhos domésticos. Energia elétrica existe, mas faltam sinal telefônico, comércio e até serviços básicos, como um posto médico. A unidade de saúde e o mercado mais próximos ficam a 12 quilômetros, em Tijucas.
Propriedade cultiva plantas medicinais
Em meio ao verde que predomina na paisagem, um amarelo chama a atenção de quem passa pelo Sertão do Valongo. A plantação de tupinambor de Noeli e Edemir Pinheiro tem 1,2 mil pés, em uma área de aproximadamente 1,2 mil m². Mais do que a beleza e o colorido da flor, a utilidade da planta está no rizoma (tipo de caule), usado para a farinha de tupinambor.
O alimento tem características medicinais, ajudando na regulação do sistema digestivo e no tratamento de obesidade, colesterol e diabetes. O casal dono da propriedade mudou para a localidade de Porto Belo há quase cinco anos, e hoje comemora o sucesso crescente do negócio.
O destaque é que a produção da forma como é feita no sítio, desde a plantação do tupinambor até a secagem da planta e a fabricação da farinha, é pioneira no país.
– No início, o contato com os quilombolas foi difícil, mas hoje muitos deles ajudam a gente na colheita e também começaram a plantar com nosso auxílio. Nossa intenção é também contribuir para a qualidade de vida da comunidade – destaca seu Edemir.
Ora-pro-nobis é outra planta cultivada pela família Pinheiro. São pelo menos 800 pés, dos quais as folhas são usadas também para fazer uma espécie de complemento alimentar. Elas contêm alta concentração de proteína, com índice de até 25% – semelhante ao encontrado na carne. O produto tem ainda as vitaminas A, B e C, fibras, cálcio, ferro e fósforo.
Fonte: O Sol Diário